domingo, 15 de junho de 2008

- Também te amo, Paulo

Há tudo a fazer
começando por nada
começando por nadar
tipo peixe prego
tubarão martelo
ou peixe espada
piça amarela
piça laranja
piça vermelha
piça no anzol
piça no ar

Há tudo a fazer
mergulhar
ir ao fundo
ser ouriço
navegar
e naufragar

Há tudo a fazer
começando por acabar
um copo de tinto
um corpo rijo
numa cama de pregos
a flutuar

Há tudo por fazer
a barba
a Bíblia
chuva
uma promessa de gatas
o poema em linha recta
uma ceia de cardeais na cataplana
a vontade de fumar
contigo
uma crista de galo
à beira mar

Paulo Ramos

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Engodo em serpenteio

Do veneno uterino ciclicamente calculista,
nasce essa prisão de seres procriadores.
Albarda-se o futuro a ponto de cruz,
em cores subordinadamente ferozes.
Montam-se tapetes de vida alheia,
à medida dos tacões de quem os tece.
Abrem-se portas esbarradas em paredes,
falsos abraços e ternuras queimadas.
Usando o berbigão como isco.
Umbigo do mundo.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Baby girl

Bebé que vive em manto alcatifado por pêlos.
Selvagem cavaleira, diamante bruto, pedra preciosa.
Enquanto fazes listas de compras, escuto-te.
Oiço e escrevo, o futuro são palavras.
E o presente tão belo. Tão real.
O presente não consegue ser domado,
é puro sangue selvagem sem espora que o conduza,
sem rédea que o pare. Aprecia apenas a sua beleza.
Abre ao mundo tudo que possa entrar:
a estes gatos negros, ao calor conforto,
ao não dormir, ao descansar,
ao amor que agora fazemos.
O presente não dorme.
Talvez seja apanágio do passado e do futuro.
Um adormecido, outro dormente.

Do Dia Seguinte

Alma racional, espermicida do corpo não pensante,
do impulso criador do ser, qual alma carnal em potência,
e assim se fazem rodinhas aniquiladoras.
Manipulação justificativa da vida e da morte,
mais uma fichinha, mais uma voltinha.
Traz-me a vida, se a vida for isso.
Deixa vir, vive.
Qual será mais fácil?
Tirar ou dar vida?
Qual a probabilidade da segunda?
Que facilidade na primeira...
Toma, não que eu queira,
o anestésico do medo da natureza.
Não a aceites como ela é.
Afinal.
Só projectamos selectivamente.